A primeira vez que joguei um RPG de temática cyberpunk foi em um Encontro de RPG promovido pelo finado Dragon's Cave Club, da também extinta Livraria Leitura Savassi. Isso foi, certamente, depois do auê causado pela notícia da apreensão do GURPS Cyberpunk pelo Serviço Secreto americano, e eu estava animado com a ideia de jogar como um Netrunner, pois os computadores me fascinavam, mas essa sessão não foi nem um pouco memorável.
O jogo era o Cyberpunk 2020, se não me falha a memória, e isso aconteceu há quase 30 anos, em uma época que ter computador em casa era coisa de gente rica e a internet, que ainda não tinha dado as caras por aqui, não havia se transformado na caixa de gordura da humanidade, com discursos de ódio, fake news e negacionismo correndo soltos pelas redes (anti)sociais.
Algum tempo depois, a segunda edição do Shadowrun chegou a Pindorama e aquele jogo parecia muito bacana, pois colocava os seres fantásticos do AD&D em um cenário futurístico, com direito a implantes cibernéticos e tudo mais. Meu irmão não nerd acabou ganhando uma cópia do livro e lá fomos nós: regras lidas, fichas montadas e… nunca jogamos uma partida. Nem mesmo as versões eletrônicas do SNES ou Mega Drive eu joguei.
Corta para 2021 e os carros seguem presos ao chão; algumas pessoas acreditam que uma vacina é a desculpa para implantarem um chip microscópico no seu corpo, enquanto outras — muitas vezes as mesmas — duvidam que a Terra é redonda e dizem que o aquecimento global é papo furado. Nesse futuro sombrio, onde — ao menos — as grandes corporações seguem fingindo que não mandam em nada, ainda haveria espaço para o cyberpunk? Eu diria que sim, vide o sucesso de Ready Player One, o hype do videogame Cyberpunk 2077 e — por que não? — a boa recepção do RPG Solo Cybercidades e Synthwave.
Escrito pelo Tarcísio Lucas, o grande evangelista brasileiro do RPG Solo, Cybercidades e Synthwave é, parafraseando o próprio Tarcísio, um RPG cyberpunk diferentão, pois ele tem tudo — megacorporações, gangues, hackers, etc. — que se espera de um jogo do gênero, mas sua estética e, principalmente, seu lore são totalmente retrôs, já que a história se passa em um 2187 com cara de 1987.
O jogo se apoia no sistema de regras do C4, um RPG minimalista criado pelo Tiago Junges, e logo na capa se vê que seu foco principal é o modo solo, embora isso não exclua partidas cooperativas sem mestre ou até mesmo as tradicionais partidas guiadas.
Cybercidades e Synthwave traz, nessa primeira versão, três arquétipos de personagens, Cidadão Comum, Agente da Retrocop e Cyber Punk, cada um com suas tabelas próprias de geração de aventuras. Existem também outras tabelas de apoio e um oráculo bem simples de usar — os Cyber Dados — mas é no cenário, que ocupa boa parte do material, que o jogo brilha, pois ele traz o jogador para aquele mundo das Cybercidades sem entregar seus mistérios, o que casa bem com a política de desinformação da Synthwave, a megacorporação que controla tudo.
Para minha primeira partida de Cybercidades e Synthwave eu escolhi jogar com um Cidadão Comum, o que trouxe uma vibe bem parecida com a do RPG Paranoia, mas a história acabou tomando um caminho inesperado que se aproximou do que acontece no filme Eles Vivem.
- Ouvindo: Joy Division - Transmission