O sol se põe. Enquanto o crepúsculo se transforma em escuridão, você começa a subir a colina na direção da ameaçadora forma que se desenha contra o céu noturno. A Cidadela fica a menos de uma hora de escalada.
A uma certa distância de seus muros, você para para descansar – um erro, uma vez que, dessa posição, ela parece um espectro medonho do qual não se pode escapar. Os pelos da sua nuca se arrepiam enquanto você a observa.
Mas você se envergonha de seus medos. Com inflexível decisão, você marcha adiante na direção do portão principal, onde você sabe que encontrará guardas à sua espera. Você considera suas opções. Já pensou em se apresentar como um especialista em plantas medicinais que veio tratar de um guarda com febre. Poderia também se dizer um comerciante ou artesão – talvez um carpinteiro. Poderia até mesmo ser um nômade que buscasse abrigo para a noite.
Enquanto você pondera as possibilidades, e as histórias que terá que contar aos guardas, acaba chegando à trilha principal que conduz aos portões. Duas lanternas brilham em cada um dos lados da porta levadiça.
Você ouve grunhidos abafados ao se aproximar, e vê duas criaturas de aparência absurda. Do lado esquerdo está uma criatura horrível, com a cabeça de um cachorro e o corpo de um grande macaco, flexionando seus braços fortíssimos. Do outro lado, encontra-se de fato o seu oposto, com a cabeça de um macaco no corpo de um cachorro grande. Este último guarda se aproxima nas suas quatro patas, para a alguns metros de distância diante de você, ergue-se sobre as patas traseiras e dirige a palavra a você.
Por qual das histórias você optará?
Você se apresentará como um especialista em plantas medicinais? Vá para 261
Você dirá que é um comerciante? Vá para 230
Você pedirá abrigo para pernoitar? Vá para 20
Os livros jogo foram a porta de entrada de muita gente no mundo dos RPG's, colocando o leitor no papel ativo de uma história que mudaria de acordo com suas decisões. Suas contrapartes digitais, as interactive fictions (ou text adventures), permitiam uma maior interação ao dar liberdade para o jogador digitar o que desejava fazer.
Não é difícil imaginar uma possível influência dos livros jogo nas text adventures, mas o fato é que estas deram origem aos adventures gráficos como Maniac Mansion e King's Quest, para citar alguns, e a Telltale Games – talvez a maior responsável por trazer o gênero de volta ao mainstream – aproximou-se mais ainda do formato das histórias escritas por Ian Livingstone do que do universo de possibilidades de Zork, ao lançar The Walking Dead: Season 2.
Na primeira temporada do jogo você se vê no papel de Lee Everett, um homem que era conduzido à prisão quando o mundo e a sociedade que conhecemos até então começam a ruir com o apocalipse zumbi. Logo no início de sua jornada Lee conhece a garotinha Clementine, e a partir deste ponto a sobrevivência dela torna-se tão importante quanto a sua.
Para não dar spoiler, basta dizer que a segunda temporada coloca o jogador no comando de Clementine. Ela já passou pelo inferno e está mais dura, mas as pessoas não deixam de tratá-la como a garotinha de 11 anos que é. Daí tome tarefas idiotas como buscar comida dentro de uma cabana, quando o preguiçoso do adulto que a ordenou poderia ter feito isso. Vida de criança não é fácil.
Também não é fácil entender porque, a todo momento, insistem em colocar Clementine em perigo. Se é necessário alguém se esgueirar para dentro de um aposento que pode estar cheio de zumbis, qual a melhor opção? Mandar a única criança do grupo, é claro! Precisando de alguém para conversar com uma pessoa instável e armada? Clementine a caminho!
Diferente de Jurassic Park, que era praticamente dominado por quick time events, a primeira temporada de The Walking Dead parecia uma aventura gráfica. Não tanto quanto Back to the Future ou Tales of Monkey Island, mas ainda assim... Já a segunda temporada do jogo consegue ser menos interativa e mais sequencial que a anterior, e não raros foram os momentos em que me peguei afastado do teclado, apenas assistindo ao que acontecia na tela.
Não sei se foi porque, sem querer, tomei um spoiler do final, mas desta vez eu terminei o jogo e não fiquei ansioso para sua continuação, como aconteceu com a primeira temporada de The Walking Dead. A falta de liberdade e pouca interação certamente devem ter influenciado, mas o fato é que a jornada de Clementine para mim acabou por aqui.
- Ouvindo: Craft Spells - Breaking the Angle Against the Tide