Escrito e dirigido por Chris LaMartina, Call Girl of Cthulhu é um filme independente de comédia/horror realizado com um orçamento baixíssimo. Só para se ter uma ideia, sua campanha de financiamento no Kickstarter teve uma meta de apenas US$ 25.000,00, um valor que, provavelmente, não cobriria as próteses de nariz dos anões da trilogia trash O Hobbit.
A história gira em torno de Carter Wilcox, um jovem artista virgem que se apaixona por Riley Whatley, uma garota de programa. Até aí nada de novo, se levarmos em conta a trama de muitos filmes românticos ou “comédias” por aí, mas há um detalhe: Riley nasceu com uma marca que faz dela a escolhida para gerar o filho de Cthulhu!
O filme foi lançado em 2014, um ano em que as pessoas ainda ouviam CDs de música e jovens virgens, como Carter, não passavam os dias em fóruns online, destilando sua misoginia e frustração na companhia de outros tantos ineptos. São dois fatos totalmente irreais mostrados no filme, eu sei, mas Cthulhu não existe, vale lembrar…
Riley tem um cliente assíduo no prédio onde Carter mora, e um dia eles acabam — literalmente — se esbarrando na rua, e dali é um pulo para que o frustrado protagonista contrate os serviços da escolhida de Cthulhu. A relação profissional, como é de se esperar, acaba indo para o lado pessoal, mas o jovem artista continua virgem; ele não tem pressa, sabe como é…
Tudo iria bem para Carter, se não existissem duas facções à procura de Riley: os tradicionais cultistas, que querem trazer Cthulhu de volta para acabar com tudo — afinal, essa é a única função de alguns “mitos” por aí — e um grupo de (na falta de um termo mais adequado) amazonas lideradas pela Professora Edna Curwen, uma ex-seguidora do Grande Antigo.
Como Carter é artista, ele acaba procurado por Edna para um job: falsificar o Necronomicon, já que os cultistas só conseguiriam invocar Cthulhu com o livro original, que foi tomado deles pela turma da professora. Não tem lógica, mas é isso mesmo: seu amiguinho tem um livro do mal com o qual pretende invocar uma entidade alienígena capaz de destruir o mundo; como não concorda com a brincadeira, você rouba o livro do seu amiguinho e, em vez de sumir do mapa, faz uma cópia para devolver a ele.
Se esse plano das amazonas não fosse estúpido o suficiente, elas invadem a igreja dos cultistas… com as duas cópias em mãos!
Mas voltemos aos cultistas, essa gente de bem… Por algum motivo desconhecido, eles sabem que a portadora da marca de Cthulhu é uma garota de programa. Para encontrá-la, usam uma estratégia simples: contactam uma garota, pedem que ela tire a roupa e, uma vez verificado que ela não é a escolhida, dão cabo da sua existência.
São muitas as vítimas da seita e os assassinatos em série chegam aos jornais, mas ninguém — nem Riley — está muito preocupado, pois todo mundo continua agindo como se as coisas estivessem na perfeita normalidade. Para entender, é mais ou menos como as pessoas têm agido em relação ao coronavírus…
Riley, obviamente, acaba caindo nas mãos dos cultistas, que têm a sorte de recuperar, graças ao delivery das amazonas, o Necronomicon bem a tempo do ritual de invocação de Cthulhu, representado no filme por alguns tentáculos gigantes que se lançam através de um portal interplanar. Parece uma coisa assustadora, mas é bem tosco mesmo, vale salientar.
Um parêntese se faz necessário: embora Lovecraft nunca tenha sido explícito, como Alan Moore em seu Neonomicon, não é difícil imaginar que os primeiros híbridos de humanos e Abissais tenham sido gerados sem consentimento. Em seu filme, Chris LaMartina foi feliz em optar pelo caminho menos explícito, mas sejamos sinceros: talvez nem conseguisse fazer o contrário, pelas restrições técnicas e orçamentárias. De qualquer forma, o ritual se conclui com Riley grávida… de Cthulhu!
Quando tenta ser engraçado, Call Girl of Cthulhu tem, no pior sentido, uma vibe de filme da década de 1980, com piadinhas de quinta série, como as relacionadas ao personagem Rick 'The Dick' Pickman. O melhor humor vem na forma de referências aos contos de H.P. Lovecraft, como a desperdiçada personagem Erica Zann, cuja música estranha é capaz de explodir cabeças… literalmente. Essa personagem, inclusive, merecia um spin-off, pois é mais interessante que o trágico protagonista.
No quesito terror, o filme é mais eficiente, mas, no geral, é aquela apelação de sempre ao gore, que vai aumentando com o decorrer da história; só que é daquele tipo de gore tão tosco que nem incomoda. O que acaba incomodando, mesmo, são as cenas de ação sem ação, sendo as piores delas protagonizadas por uma Michone genérica e patética, que carece de habilidades de luta tão eficientes quanto sua cara de mau.
Muitos gostam de falar que Lovecraft não funciona no cinema, mas À Beira da Loucura (In the Mouth of Madness) está aí para desmentir todo mundo. Call Girl of Cthulhu, obviamente, está longe de ser um exemplo de bom filme lovecraftiano, mas até que Chris LaMartina acerta no final pessimista e clichê.
Existem filmes que são tão ruins que ficam bons, pelo humor involuntário, e essa “regra” se aplica perfeitamente a Plan 9 From Outer Space, por exemplo, que muitos consideram o pior filme do mundo, mas é um dos meus favoritos de todos os tempos. Não é o caso de Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, Cinderela Baiana ou Call Girl of Cthulhu; esses exemplos são, simplesmente, ruins.
Se tivesse tentado fazer apenas um filme de terror de baixo orçamento, Chris LaMartina teria um bom — mas tosco — exemplar em mãos, já que os atores não são péssimos como o Hayden Christensen, por exemplo, e os efeitos práticos são mais eficientes do que se tivessem optado pelo caminho do digital. Há, inclusive, boas ideias no roteiro furado, mas o grande problema foi tentar ser engraçado, pois Call Girl of Cthulhu acabou sendo, apenas, bobo.
Trailer
- Ouvindo: Night Birds - New Cults