5 de novembro de 2014
Press Start - The Last Door
A primeira aventura gráfica com a qual eu tive contato foi Leisure Suit Larry, na casa de um vizinho. Pela nossa idade, havia obviamente a emoção adolescente de estar fazendo algo proibido, já que o jogo era para adultos, mas a grande magia para mim se dava no fato de que era possível escrever o que você queria que o personagem fizesse.
Pouco tempo depois, quando minha tia comprou um computador, as férias em Três Marias ganharam um novo atrativo: a possibilidade de jogar Indiana Jones and the Last Crusade, que eu havia copiado do mesmo vizinho apesar de não termos um PC em casa. Foi a primeira aventura gráfica que eu realmente cheguei a jogar, e as inúmeras horas passadas em frente àquele monitor verde acabaram por definir, indiretamente, minha vida profissional.
Eu tinha 17 anos quando meu pai comprou nosso primeiro computador. Aproximava-se a época do vestibular e, consequentemente, o momento de decidir o que fazer da vida. Foi nas ilhas do Caribe, nas catacumbas de Veneza e nas profundezas de Atlântida que eu encontrei o eu gostaria de ser: um desenvolvedor de jogos na LucasArts.
Apesar de ter feito alguns experimentos com o desenvolvimento de jogos, tudo acabou não passando de um hobby e, no fim das contas, o mundo real era bem diferente daquele imaginado por um garoto empolgado.
Duas décadas já se passaram desde que o tema de The Secret of Monkey Island ressoou no PC speaker daquele velho 386. Nesse período as aventuras gráficas perderam seu reinado e a LucasArts deixou de existir, mas o gênero continuou vivo quase que exclusivamente nas comunidades de desenvolvedores independentes e amadores, com seus remakes, fangames, etc.
Entra em cena a Telltale Games, e velhos conhecidos voltam à ativa. Por mais que seja divertido viajar no tempo ou singrar novamente os mares do Caribe, são os episódios da saga de uma garotinha em meio ao apocalipse zumbi que sobem o nível da brincadeira e colocam as aventuras gráficas de volta no jogo.
Seguindo a mesma linha de jogos episódicos da Telltale, foi lançado em março de 2013 a aventura gráfica de horror The Last Door. Desenvolvido pelo estúdio espanhol The Game Kitchen, o jogo teve seu primeiro episódio financiado no Kickstarter. A partir do segundo episódio o desenvolvimento tem sido mantido principalmente por doações, e o mais recente deles – The Playwright – foi lançado há poucos dias, no último Halloween.
Com influências de H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, The Last Door se passa na Grã-Bretanha do fim do século XIX. A história começa com uma cena inusitada e até mesmo perturbadora, na qual o jogador se vê no controle de um homem desconhecido, sozinho em um sótão. Para não dar spoiler, basta dizer que a partir daí entra em ação o personagem principal, Jeremiah Devitt, que recebe uma carta misteriosa de um antigo amigo de colégio, e passa a investigar o que está acontecendo.
O jogo tem um visual low-res, como definem seus criadores, que lembra bastante o estilo das primeiras aventuras gráficas da Sierra na engine AGI, mas utilizando a paleta de cores dos clássicos da LucasArts na era VGA. Em uma época de jogos em HD, rodando a 60 fps e o escambau, essa estética pixelizada pode estranhar os mais exigentes, mas a arte é bem eficiente e não deixa nada a desejar.
A interface é bem simples, contendo apenas o inventário na parte inferior da tela, e a jogabilidade se limita ao point-and-click bem familiar ao gênero. A única ação selecionável é a que permite examinar determinado item ou ponto de interesse. Fora disso o jogo se limita à interação (pegar, utilizar, combinar) com determinado item ou o diálogo entre personagens.
Apesar de uma história boa, que ganha peso a cada episódio, e da pixel art estilosa, é na ambientação sonora que o jogo brilha. As músicas compostas por Carlos Viola e os efeitos sonoros são costurados às cenas de uma forma tão bacana, que você consegue entrar naquele mundo e sentir a apreensão do personagem.
Até o momento já foram lançados cinco capítulos da série, e o próximo encontra-se atualmente em fase de financiamento. Os quatro primeiros compõem a primeira temporada e foram unidos no bundle The Last Door - Collector's Edition, que inclui a trilha sonora, quatro cenas extras e está disponível no Steam, GOG.com e mais alguns outros serviços de distribuição digital.
Com exceção do episódio mais recente, cujo acesso está liberado apenas aos apoiadores, todos os capítulos anteriores e mais alguns extras podem ser jogados gratuitamente a partir do site do projeto. O mais bacana: a cada episódio lançado, o anterior é liberado para todos.
Os interessados em apoiar o desenvolvimento dos próximos capítulos podem fazer doações via PayPal, Google Wallet ou a maluquice do bitcoin. Dependendo do valor investido, você pode ter seu avatar imortalizado em pixel art no Hall da Fama do projeto.
Para um fã de histórias de horror cósmico como eu, que ainda sou um entusiasta de aventuras gráficas, The Last Door é um prato cheio e praticamente obrigatório. Os primeiros capítulos são mais triviais e quase lineares, mas os puzzles ficam menos óbvios e a exploração mais necessária com o passar do tempo, estendendo o tempo de jogo.
Como já disse, a atmosfera criada pela combinação da trilha sonora com os efeitos de áudio é um show à parte. Recomendo apenas o uso de fones de ouvido para que os sustos sejam maiores.
- Ouvindo: Israel Nash - Through The Door
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