"Às vezes queremos nos esconder de nós mesmos; não queremos ser quem somos. É muito difícil ser nós mesmos. É nessas horas que nos voltamos para drogas, álcool ou atitudes que nos ajudem a esquecer quem somos.
Isso, obviamente, é apenas uma solução temporária para um problema que continuará a voltar, e às vezes essas soluções temporárias são mais nocivas que o próprio problema.
Sim, isso é um dilema. Existe resposta? Claro que sim, como uma pessoa sábia disse com um sorriso: 'A resposta está dentro da pergunta.'"
– Mulher do Tronco
Em sua primeira visita a Cooper, o Gigante disse três coisas que, uma vez confirmadas, provariam sua intenção de ajudar: há um homem em um saco sorridente; as corujas não são o que aparentam; sem químicos, ele aponta. De mais prático, o Gigante ainda deu duas dicas: uma que inocentava Leo Johnson do assassinato de Teresa Banks, outra que indicava a existência de uma pista na casa do caminhoneiro.
O homem que aponta sem químicos é Philip Gerard, um vendedor de calçados, e a pista na casa de Leo Johnson é uma bota da mesma marca comercializada pelo homem de um braço só. Como Gerard já havia aparecido para Cooper em sonho – no sonho ele tinha o nome de MIKE – e nessa visão ele contou ao agente sobre sua relação com BOB, encontrar o homem de um braço só virou prioridade da força policial de Twin Peaks, pois através dele podem chegar ao assassino de Laura Palmer.
Esse décimo terceiro episódio de Twin Peaks é um dos melhores da segunda temporada e, certamente, de toda a série, o que não é de se espantar, visto que o capítulo é obra de uma tropa de elite composta por Lesli Linka Glatter, Harley Peyton e Robert Engels. A mistura dos elementos característicos da série – mistério, terror, humor, conspirações, sobrenatural, etc. – está próxima da perfeição.
A ação começa na sequência imediata do episódio anterior, em meio ao ataque de pelanca de Harold Smith. Como a missão de Donna e Maddy, de alguma forma, espelhava a de Cooper e Truman, não surpreende a chegada providencial de James para salvar as garotas de forma semelhante a Hawk salvando a pele dos Bookhouse Boys. A diferença é que a missão das detetives teenagers falha, pois o diário secreto de Laura Palmer fica para trás, em meio à confusão.
Por não conseguir recuperar o diário da amiga, Donna procura o xerife Truman, mas ele não dá muita bola ao assunto. Conhecendo Harold Smith, com seu jeitão meio Norman Bates e sua obsessão com o diário de Laura, eu não pensaria duas vezes em invadir o cafofo do esquisitão, pois ele parece um forte candidato ao posto do misterioso serial killer que também vitimou Teresa Banks e quase matou Ronette Pulaski. Mas sejamos sinceros: se Harold Smith, com sua postura de figura romântica e trágica, já matou alguém, foi de tédio.
Não é novidade que o obscuro que se oculta sob uma fachada de normalidade, que já havia sido explorado por David Lynch em Veludo Azul, seja uma das constantes de Twin Peaks. Laura Palmer era o maior exemplo disso, mas nesta segunda temporada descobrimos que até mesmo o bom moço Dale Cooper tem seus esqueletos no armário.
“Segredos são coisas perigosas”, já diria Cooper a Audrey, mas o passado pode ser ainda mais perigoso, principalmente quando ele volta na forma de um ex-parceiro do FBI que recentemente escapou de uma instituição psiquiátrica: Windom Earle. Como Earle deixa claro no bilhete enviado a Cooper, o jogo está apenas começando.
Também não é novidade que a dualidade, desde o nome da cidade à vida dupla de Laura Palmer, seja um tema recorrente de Twin Peaks. Ela tem origem nessa “batalha” entre o que se esconde sob a superfície e o que é mostrado, mas também pode representar os dois lados de uma mesma moeda. O exemplo mais óbvio disso é Maddy, praticamente uma doppleganger de Laura.
Mesmo sem agir ou vestir-se como Laura, muitos a enxergaram em Maddy, tamanha a semelhança física entre as duas. A garota, como confessou a James, gostou de ter sido, mesmo que por um curto período, alguém diferente, mas chegou o momento de voltar a ser ela mesma; chegou o momento de Maddy partir de Twin Peaks.
Cooper, de volta à investigação com força total, se vê novamente em contato com Philip Gerard, o homem de um braço só, ou melhor: MIKE, o espírito que habita o corpo do vendedor de sapatos.
Diferente do Gigante, que fala pouco e apenas através de enigmas, MIKE não segura muitas informações e entrega o ouro sem muita dificuldade. Segundo ele, o verdadeiro rosto de BOB é aquele do retrato falado, mas poucos podem vê-lo: os que têm o dom e os amaldiçoados. Há 40 anos BOB tem estado por perto, e agora ele pode ser encontrado em uma grande casa de madeira ocupada, noite após noite, por diversas almas: o hotel Great Northern, como deduz Cooper.
Quem é o hospedeiro de BOB e, portanto, o assassino de Laura Palmer? A resposta não está dentro da pergunta, mas também não está longe de ser encontrada.
- Ouvindo: Bob Mould - Voices in My Head