26 de outubro de 2015

De Volta a Twin Peaks - Episódio Piloto


24 de fevereiro de 1989. Ainda é bem cedo quando o pacato Pete Martel sai para pescar. Às margens do rio ele encontra um corpo. "Ela está morta... enrolada em plástico." é tudo que o vemos falar ao telefone com o xerife Harry S. Truman.

O céu está nublado e o dia bastante frio quando o xerife chega ao local em que o corpo foi encontrado. A vítima é Laura Palmer, uma garota popular na pequena Twin Peaks, uma cidade ao norte do estado de Washington, quase na fronteira com o Canadá.

No mesmo dia, o desaparecimento de Ronnette Pulaski é comunicado à polícia, mas a jovem é encontrada viva, caminhando pela linha do trem em estado de choque e bastante ferida. Aparentemente as duas foram vítimas da mesma pessoa, mas é o fato de Ronnette ter atravessado a fronteira do estado que faz com que o FBI, representado pelo agente especial Dale Cooper, assuma a investigação dos dois crimes.


Em um universo de cultura pop cada vez mais entulhado de novos livros, quadrinhos, jogos, séries e filmes, minha tendência é revisitar cada vez menos as coisas que gostei de ter lido, jogado ou assistido. Ao lado da trilogia original de Star Wars, Golden Axe e Monkey Island, Twin Peaks é uma das poucas exceções a essa regra de utilização do meu tempo livre.

Twin Peaks, bem mais do que a primeira temporada de True Detective ou Breaking Bad, é a minha série de TV favorita. Nos EUA, o primeiro episódio foi ao ar em Abril de 1990 pela emissora ABC; no Brasil, a Globo exibiu a série de maneira porca, fora de ordem e mutilada, em um horário pouco recomendável para quem tinha que acordar cedo no dia seguinte para ir à aula. Algum tempo depois, a Record retransmitiu Twin Peaks no horário anterior à Arquivo X, mas a necessidade de acompanhar todos os episódios fez com que eu só fosse conhecê-la da forma devida anos mais tarde, em uma maratona na qual a Fernanda e eu levamos apenas um final de semana para assistir às duas temporadas completamente.


A série foi criada por Mark Frost e David Lynch, e a ideia inicial da dupla era que o assassinato de Laura Palmer nunca fosse solucionado, servindo apenas de pano de fundo para os dramas e problemas vividos pelos habitantes da pequena cidade, muitos deles envolvidos de alguma forma com a vítima. Para o caso de a produção não vingar na TV, um final alternativo para a história foi filmado a pedido da emissora, e essa versão, da qual algumas cenas foram aproveitadas em episódios da série, foi lançada fora dos EUA em formato de filme.

O piloto de 90 minutos, que corresponde a um dia na linha de tempo da história, apresenta o mistério da morte de Laura Palmer e a possibilidade de o crime estar relacionado a um assassino serial, mas também serve de introdução para uma grande gama de personagens. Citando alguns: Sarah e Leland Palmer, os pais de Laura; Donna, a melhor amiga da vítima; Bobby, o namorado e primeiro suspeito do crime; Andy e Hawk, os assistentes do xerife; Lucy, a prolixa secretária da delegacia; o excêntrico psiquiatra Dr. Jacoby; Audrey Horne, a mimada e problemática filha do figurão Ben Horne; o agressivo caminhoneiro Leon Johnson; as belas e simpáticas Norma e Shelly, do café RR Diner; a instável Nadine e o boa-praça Ed, tios de James Hurley, o segundo suspeito do assassinato de Laura.


Com exceção do investigador Dale Cooper, o peculiar bom moço que é praticamente um avatar de David Lynch na série, a princípio quase todos os personagens de Twin Peaks têm algo a esconder. É como se a dualidade dos picos gêmeos entre os quais a cidade se espreme inspirasse a dicotomia de seus habitantes. Não faltam casos de traição e segredos; a própria Laura Palmer, a rainha do baile e até então um exemplo de boa conduta, parece estar mergulhada em uma vida de drogas e prostituição.

Twin Peaks, o local, é um personagem à parte. A cidade estranha com gente esquisita, cercada por bosques há muito habitados por lendas indígenas, parece parada no tempo, mas em momento algum isso soa artificial. Pelo contrário, a cidade é tão crível que você sente vontade de conhecê-la pessoalmente. Isso se deve, é claro, ao fato de locações reais terem sido utilizadas até mesmo em cenas que poderiam muito bem ter sido rodadas dentro de um estúdio e não em uma madrugada fria do inverno mais rigoroso até então já registrado na região de Seattle.


O piloto de Twin Peaks – a série como um todo, na verdade – não é para qualquer um, infelizmente. O mistério é instigante, mas não faltam cenas de pura canastrice e/ou exagero dos atores. Entretanto, essa é uma das graças da produção e, em uma segunda análise, poderia até ser encarada como a incapacidade de determinados personagens para mentir. Os elementos sobrenaturais que aparecem cada vez mais no decorrer dos episódios também podem afastar quem busca uma história de mistério tradicional e pé no chão, mas essa atmosfera da cidade pequena, estranha e cheia de segredos é tão bem realizada que até hoje replicam-na em jogos, séries de TV, etc. Difícil imaginar Alan Wake, Wayward Pines, a primeira temporada de True Detective e até mesmo a animação Gravity Falls em um mundo no qual Twin Peaks não tivesse existido.

- Ouvindo: Echo and the Bunnymen - The Killing Moon

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